terça-feira, janeiro 16, 2007

Fragmentos VII



quantos outros
setembros e marços
torturados
das balas perdidas em Copacabana
nos Araguaias
de todas as praças
das mães de maio

quantos outros
desenhando vermes
e ventres
meninos
de olhos opacos
que não mais sabem
chorar
dor
medo
fome da fome

quantos outros
pintados em technicolor
pela indiferença
na tela da tevê
guernicas surrealistas
negras
amarelas
de olhos amendoados
assustados

olhos sem rostos
rostos sem olhos

burcas
bonés
braceletes
sapatos
camisas e saias rodadas
entrelaçadas
decepadas
num pas-de-deux
de corpos díspares
que jamais se tocaram

Ah!quantos outros
setembros e marços
de marias-de-josés em nome do pai?
do filho?
do espírito santo? ... amém


Sandra Falcone

Se Chover



Ponho um carinho
nesse seu céu
de sorriso e bonança.

*

Deixo descer
do azul e das nuvens a chuva
que lhe dá carícias.

*

Pouso meu beijo,
silêncio e tesão,
na sua boca de pétalas.


Luiz de Aquino

Koala


Kuala

A Onça numa manhã febril. Na solidão das estepes. Encontrou dois olhos negros olhando para a mesma presa. De pronto, no atavismo da espécie, preparou-se para o ataque e o Lobo para a defesa. Naquele vai e não vai um Gavião, larapio, rápido levou a presa. Onça e Lobo não tendo mais pelo que lutar quedaram-se, e trataram de espantar um enxame de Mosquitos fofoqueiros que teimavam em passear nos seus pêlos. O Sol, frustrado com a luta que não aconteceu, foi olhar o outro lado do Horizonte e no caminho encontrando a Lua resmungou: Dois panacões. Lerdos como uma Tartaruga-avó. Eu que me aprumei e até apostei três trovões. Que raiva! E ordenou: deixe os dois estar na escuridão. Não lhes faça companhia.

A Lua obedeceu.

Na manhã seguinte a estepe estava solitária, Apenas dois Pássaros delicados, um negro e outro branco, cavalgavam no dorso do vento.O Sol, curioso, perguntou para duas Nuvens que passavam ligeiras: viram por aí a Onça e o Lobo? A primeira, mal humurada, em nuances cinzas respondeu: sei eu? To procurando a Chuva. A outra, na transparência da delicadeza : ainda não, mas como pretendo pelo Dia passear, vou procurar e, se encontrar, aviso você. E foi embora desenhando no Infinito poemas abstratos.

Sol já muito alto na impaciência, foi fustigar a elegância de duas Gazelas: Ontem deixei o Lobo e a Onça por aqui, sabem onde foram? As duas raparigas se entreolharam e responderam: se soubéssemos não estaríamos aqui! E trataram de sair saltitantes .

E assim foi pelo Dia afora, perguntando ali e acolá e raivoso foi esquentando tudo e todos. Um sufoco só, tanto que todos correram para a Cachoeira pedindo abrigo. O Rio quase à mingua em total desespero, suas Águas debatendo-se violentamente, num caos nunca presenciado pela Mãe-Natureza. Naturalmente, diante daquele quadro devastador, como boa mãe que era e é, tratou de arrumar um jeito de aquietar seus rebentos. Não precisou pensar muito.

Primeiro tratou de sossegar o pito do filho que provocara tamanha confusão, tascou logo um Eclipse Solar, daqueles de fazer dó. O Sol , ainda que revoltado, teve que submeter-se, já que a Mãe tinha sido muito clara: ou deixa essa bobagem, cuide daquilo a que veio, não se intrometa em seara alheia, ou vou proibir você de ficar espiando o que acontece por aqui!

A turma toda diante da ameaça de ficar sem o Sol tratou de fazer um abaixo assinado , pedindo clemência; antes tiveram o cuidado de pegar uma declaração de próprio punho do Sol que jamais voltaria a ficar tão esquentado. A Mãe-Natureza atendeu ao pedido. Vez por outra, quando o Sol fica desobediente, manda uma Eclipse Solar de aviso. Sempre dá resultado e a Vida continua no seu doce circulo vicioso :O Lobo e a Onça, ainda se estranham...e o Gavião-larápio continua rondando, a Chuva vem , a Chuva vai, alguns Trovões, uma Flor fenece e outra nasce do bico de um Sabiá e o Sol, com mais ou menos calor, sempre volta a brilhar!

Com toda essa confusão não notaram um lindo rebento, nascido alguns meses depois do entrevero do Sol, da Onça e do Lobo. Um ser extraordinariamente delicado, com o olhar cheio de meiguice. A Mãe-Natureza sorri encantada quando encontra o bichinho. É seu neto predileto. Do encontro só ficou a cor dos pelos do Lobo , no rabinho um pouco da cor do Sol, quando se aquieta e, da Onça, a mania de subir em árvores. É um tanto esquisito...

Também, com esse trio !!!!


Sandra Falcone