quinta-feira, maio 24, 2007

sandade que dói

da mesa sempre posta
do bolo-de-fubá
do rocambole
cobertos pela toalhinha de tricô
feitos no velho fogão
daquela humilde casa

do cheiro do café sempre fresco
das xícaras com desenhos delicados
de bruços
lado a lado

do avental sempre limpinho
dos cabelos brancos
presos num coque
caprichado


dos olhos-criança
que negam o brocado do rosto
tão marcado
do sorriso tolerante no
convite carinhoso:
meninos hora do lanche
lavem as mãos

saudade doce que dói
nesta lágrima que me escapa
e repousa
num tempo que não volta mais


dedicado ao meu amigo Armando Fernandes
e a senhora sua mãe

Sandra Falcone
Maio/2007

o macaco é inocente




Quem, como eu, petisca palavras para abrirem o paladar do leitor, acaba se deparando com cada coisa! Eu sempre “me acho” no Aurélio. Ele é tão vasto! Fica aberto à nossa disposição, milhares de palavras bamboleando à sua frente e, naturalmente, aboletados sinônimos a granel. Qual delas a melhor? a menos usada, a mais apropriada? qual tem a capacidade de abarcar o significado exato e, muitas vezes, usado tanto no sentido lato como num sentido jocoso? Bonde. É um bom exemplo. Tanto serve para designar um veículo que corre sobre os trilhos, como um desatributo de beleza. Quando você se refere a alguém feio, lá vem o bonde nos trilhos no seu pensamento. Ele ou ela é um bonde! Precisa dizer mais alguma coisa? é absolutamente definitivo! Sem contar tomar o bonde errado: que tanto pode significar ir parar na Penha quando queria ir até Santo Amaro, como também ir parar no xilindró.

Do bonde vou direto para a composição, que é o que estou pretendendo fazer aqui – compor uma crônica. E se alguém se atrever a dizer que a palavra certa não é composição, sugiro uma volta no Aurélio. Garanto que vai entrar num acordo comigo.

Evidentemente, uma coisa sempre leva a outra e como estou na companhia do Aurélio e na letra “c”, meu sexto sentido me carregou para a palavra comportamento. E essa palavra e o seu significado não precisam de massagens nos neurônios para o seu entendimento: maneira de se comportar, procedimento, conduta, conjunto de atitudes de um indivíduo em face de um meio social (sic). Se bem que quando me deparo com o comportamento de alguns outros, penso que, provavelmente, para esses alguns outros a quem me refiro neste texto não é bem assim, ou nada assim, parece até que é criptografada. Enfim... deixa pra lá, vou ficando por aqui, já que aqui é que eu estava mesmo querendo chegar. E, voltando ao início da crônica, felizmente peguei o bonde certo, embora corra o risco de alguém adjetivar minha crônica de bonde!

Como devo me comportar neste momento, como cidadã mais uma vez vilipendiada? Cortar os pulsos cronísticos com uma navalha? ou lamentar o fato de o nosso presidente resolver sair do país na hora “h”? Ou será que apenas está se comportando como um motorista imperito, numa das definições que se atribui à navalha – sim, porque motorista que anda a vinte por hora numa via expressa provoca acidentes! Ou talvez porque lendo o Aurélio apenas notou um dos significados da palavra: capim da família das ciperáceas. Um capimzinho assim é tão insignificante, não é? Nesta terça-feira ele afirmou: doa a quem doer. Então que faça doer logo, não espere a ferida se transformar num cancro.

Eu diria que, neste aspecto, considerando a hipótese de capim, essa navalhada que corre solta pelo país está mais para navalha-de-macaco. E se alguém quiser entender a metáfora, é fácil. Além de consultar o Aurélio e verificar que se trata de um “grande capim”, muito copioso, denso e extremamente cortante, podem metaforar à vontade. No entanto, a bem da verdade, afianço: o pobre macaco é inocente.

Antes de encerrar esta composição, procuro guarida nos princípios da ética, tão rejeitados atualmente em nosso país, onde a corrupção e a apropriação indébita do dinheiro público fazem parte do nosso cotidiano. Até quando essa ética vai ficar enclausurada a sete chaves, seqüestrada num buraco negro qualquer do inconsciente desses alguns outros a que me referi há pouco? cidadãos que vestidos como nossos representantes insistem em nos colocar um tremendo nariz de palhaço? Soube há pouco que querem outra CPI, agora a da navalha. Caramba! outro novelão de mau gosto? repeteco de tantos outros e que não levam a nada? Servem apenas para distrair a opinião pública, dar ibope para os mais falantes, ocupar a mídia nos shows usuais e no toma-lá-da-cá, atrasando aprovação de projetos de interesse público e causando indigestão com as pizzas estragadas que costumam servir.

A navalha está, muito-bem-obrigada, com a Polícia Federal e, como bem diz o nosso presidente, não se mexe em time que está ganhando.

Sandra Falcone