domingo, junho 06, 2010

A escolha

Sentou-se na areia olhando o mar. Essa relação com o mar já era tão conhecida! Fazia frio naquela hora, já quase noite. Rindo intimamente pensou: agora se eu entrar no mar, como antes, vou morrer de pneumonia. Lembrou-se de quantas vezes tinha sentido as ondas frias batendo no seu corpo. Que profunda saudade da sua juventude! A delicia de se entregar a ele na escuridão, numa solidão só dos dois. Ficou ali, esperando que o mar, como um amante, viesse acariciar seus pés, como a dizer: estou aqui!

Deixou-se levar pelas lembranças. Quantos estados de alma o mesmo mar presenciara? Perdera a conta. Quantos como este agora? Considerando o tempo e a experiência vivida: nenhum! Por isso estava ali! Talvez, ouvindo o marulhar inconstante, pudesse compreender a sua própria inconstância de mulher!

Fechou os olhos e a imagem dele mergulhou na sua mente. Tudo era adverso, a idade, o temperamento, a posição social. Até mesmo fisicamente. No entanto, ao estar ao lado dele tudo desaparecia! Química física? Não, sabia que não! Era mais muito mais do que físico, era transcendental, ultrapassava a compreensão humana. Amor? Pasma perguntava-se: se é amor o que era o que chamei de amor antes? Se não é amor, o quê é este sentimento de completude que me toma por inteira, independente da presença dele? Como explicar esse estar dele em mim?

Com os dedos escreveu o nome dele na areia! O que faço? Aflita levantou-se e foi até o mar que chegou manso aos seus pés. O que faço? E a dor que vou provocar? Como resistir a este apelo do corpo, da alma?

O rosto incrivelmente bondoso do marido chegou com a brisa. Imaginou o seu olhar diante da sua confissão! Quem e o quê sacrificar? Ternura, compreensão, carinho? Ou este sentimento pleno?

Voltou a escrever o nome dele na areia e apagou, como se pudesse apagar o que sentia. Uma, duas, dezenas de vezes, escrevendo e apagando, como numa cerimônia de magia. Levantou-se, andou mais um pouco. Abaixou-se e, mais uma vêz escreveu o nome dele. Raiva! Desespero!

Já na calçada limpou os pés e calçou os sapatos. Foi embora, devagar, despedindo-se da mulher que ficou submersa no imenso mar às suas costas. O mar soltou uma única onda que avançou solitdária a pela areia e, numa leve reverência, lambeu aquele nome.

Depois na areia apenas os vestígios da grafia contavam daquela presença que, aos poucos, o vento indiferente desmanchava.

texto e imagem :Sandra Falcone