quarta-feira, junho 17, 2009

O poderoso chefão!


O máximo dos máximos o espetáculo que presenciou , como protagonista, naquela sala solene, embalada pelas Bachianas de Villa-Lobos. O sujeito, um babão-bobão, achando-se o rei da cocada preta, com um formalismo que os olhos de cobiça negavam, monologava , enquanto fazia questão de telefonar ditando ordens.

De repente, a mão nojenta chegando perto. Ele , naturalmente, achava que tinha todo o direito ao acesso.O poderoso chefão ! Pensou rapidamente: rejeito ou faço um escândalo? Pensou mais uma vez e concluiu: ele não merece, nem uma coisa e nem outra. Merece apenas ficar na cobiça. Há de ter na mente gravado, apenas o “trailer”daquilo que acha que pode ter, sem pedir licença.

Levantou-se abruptamente, fingindo-se assustada, atirando-se no chão, de modo que suas calcinhas, vermelhas, escandalosas e despudoradas ficassem visíveis . Infelizmente, pensou em tudo naquele tombo forçado, menos no gesso. E se tem uma coisa deselegante é um gesso de perna inteira, não há fenda de vestido que resista.

Mas a vida , muitas vezes, do limão faz uma limonada. Está namorando, a sério, em casa, o enfermeiro - que fez o gesso. Aos poucos aprendendo a gostar dos clássicos, Villa-Lobos está entre os seus preferidos.

AH! bem... o babão-bobão?

Estremece (com todo o respeito) quando se cruzam pelos corredores da empresa. Mas tratou de transferi-la, por mérito , para o Departamento de Contabilidade.


Sandra Falcone





Diálogo com a dor (II)


Faz alguns dias, assistindo a um programa de tevê sobre os sem-teto, moradores de rua, não consegui deixar de me perguntar: como conseguem sorrir? essa parte enorme da população, cerca de dois milhões de pessoas, que sofrem fome, descaso, exclusão? que são aviltadas diariamente pelas autoridades constituídas e por nós mesmos, ainda que inconscientemente? nos nossos passos apressados de cada dia pelas calçadas, achando natural seres humanos dormir em portas de bancos cujos lucros representam parte substancial do nosso PIB? que, quando muito, obtêm seu sustento no lixo, na sujeira?
Queimados vivos! Duas notas no jornal popular, algumas frentes de direitos humanos e, pronto, dever cumprido: o esquecimento!
De onde vem essa força que os faz sorrir até mesmo pelo nada que lhes é oferecido todos os dias? com as bocas desdentadas? De onde vem a força que nos faz seguir em frente, com uma pena que dura até a próxima esquina? que muitas vezes é aquecida por uns vinténs? com a boca cheia de dentes, pivôs e implantados?
Repulsa? Quem deveria sentir repulsa?
Na semana passada, assistindo a um depoimento de um torturado político, fiquei arrasada com a definição dele dos gritos da tortura. Algo assim: quando os gritos eram provocados por choques elétricos, eles explodiam das entranhas do torturado, como um rugido.
Alguém, ao ler esta dicotomia entre o sorriso do humilde e o grito do torturado vai me tachar de, no mínimo, desvairada. Até pode ser. Mas é assim que eu sinto! O rugido é o mesmo, moral, física e espiritualmente.
E quando um anônimo cruza o meu caminho, sujo e maltrapilho, e sorri, sinto-me a mais vil torturadora, porque faço parte desse todo. A minha impotência ou covardia é punhal de fino corte.
E sem forças para enfrentar a verdade que me olha frente a frente sem piedade, me refugio nas palavras e percebo o quanto meu sorriso e meu grito estão se materializando em cada silaba, em cada oração.
Rugem das entranhas das minhas palavras e se aboletam neste texto à minha revelia.


Sandra Falcone