quinta-feira, junho 07, 2007

no início era o verbo


Sempre que começo a escrever uma crônica que tem como “mote” o estado brasileiro, não no sentido mais conhecido, ou seja, conjunto dos poderes políticos de uma nação mas, fundamentalmente, no modo de ser ou estar, situação ou disposição em que se acham as pessoas ou as coisas, modo de existir na sociedade, acabo olhando mesmo sem querer para o meu umbigo ou, melhor dizendo, o “meu estado como cidadã”. E como gosto de metaforar, sempre acabo encontrando uma metáfora apropriada. Hoje a metáfora escolhida é “estado metaestável”: estado em que uma substância (eu, cidadã brasileira) ou sistema (ao qual sou e todos os brasileiros são submetidos diariamente) pode permanecer, apesar de não ser estável nas condições físicas em que se encontra (substituir físicas por mentais). Resumindo a ópera: encontro-me num estado lastimável (em todos os sentidos possíveis e impossíveis).

Como boa brasileira que sou e, naturalmente, considerando o meu “próprio estado”, na tentativa de matar dois coelhos com um tiro só pensei num remédio, vacina, antídoto, qualquer coisa que venha, ainda que paulatinamente, a melhorar e, quem sabe (Deus é pai), sarar esses “estados “ . Pensei de tudo: novenas, matar um galo na encruzilhada do Senado e da Câmara, até, quem sabe, do Planalto, mas fiquei com tanta pena dos bichinhos (estou me referindo aos galos) que deixei pra lá. Até benzedeira! No entanto,fui forçada a desistir! É muita reza!! Precisaria de um mutirão de santos para ajudar lá no céu. Uma reza para um só seria sufocante e injusto - os inocentes não podem pagar pelos culpados, não é?

Dizem as estatísticas que o Brasil se encontra entre os países onde é mais utilizada a operação-plástica! Penso que essa estatística é muito restrita; se fossem fazer uma estatística profunda quanto às “operações”, com certeza estaríamos no topo da lista, com grande vantagem acima de qualquer outro país, abaixo ou acima da linha do equador.É absolutamente inacreditável a profusão de operações em curso, comandadas pela Polícia Federal (que demonstra uma grande e saudável independência ).É preciso muita imaginação para nomeá-las: Apagão, Navalha, Xeque Mate, Moeda Verde ! E olha que estou desconsiderando as outras mais antigas. Nem física quântica explica essa dimensão, ou seria “estado” ?

Inconformada como cidadã e firme nos meus bons propósitos - uma vez que que reza, pai de santo e outras simpatias não surtiriam os efeitos necessários, conforme se conclui dos meus esforços infrutíferos já relatados - nessa busca insana, pesquisei tudo que se pode imaginar (não vou nominar para deixar espaço para a Policia Federal criar outros codinomes), acabei topando com a musicoterapia que, dizem os entendidos holísticos, é uma forma poderosa de prevenir e tratar doenças. Essa prática originária no Extremo oriente, hoje com muitos adeptos pelo mundo afora, além de melhorar a auto-estima e o equilíbrio do corpo, transforma sensações negativas em positivas. Fiquei animada, talvez a coisa fosse por ai! Com a minha esperança velha e teimosa debaixo do braço, resolvi dar uma espiada na tevê Câmara e na tevê Senado e cheguei à triste conclusão de que eu, mais uma vez, deveria desistir das minhas boas intenções. Com pesar e desânimo verifiquei que o grande problema está no uso da palavra, já que a maioria de quem lá milita usa e abusa sem qualquer constrangimento, respeito, comprometimento, ou coisa que o valha. Desisti mais uma vez (caramba quanta desistência tem esta crônica ) de procurar qualquer outro remédio, quiçá até mesmo terapia, que não fosse a palavra, forte, verdadeira, fiel, consciente e lembrei daquele provérbio tibetano: as palavras não têm nem pontas, nem corte, mas podem ferir o coração de um homem". O meu sangra, diariamente.

Depois de tanta procura concluí que a minha missão como cidadã está na palavra ( por mais virulenta que eu possa ser). Esse é e será o meu caminho, porque acredito que as utilizando de modo consciente posso, de alguma forma, transformá-las em energia – e energia sempre se materializa: tudo o que somos hoje é resultado do que temos pensado (ensinamento budista) – alias, não consigo deixar de pensar :

"No início era o verbo", diz a Bíblia (João, 1:1)”. E o fim, pergunto eu? Pensando melhor: vou procurar o advérbio.




texto Sandra Falcone
imagem:masunouno's photos