quinta-feira, agosto 06, 2009

De sottie e de sot ...

Considerando o nosso atual, antigo também, cenário de politicagem descarada, hoje me dei conta de que é preciso muita criatividade e perseverança para encontrar frase, expressão, adjetivos para desqualificar, qualificando, este meu sentimento de náusea. Não no estômago, mas na alma, para exemplificar a degenerescência e a decadência social de que somos testemunhas nas primaveras, verões, outonos e invernos das nossas vidas brasileiras.
Missão difícil essa, nem mesmo parafraseando Fernando Pessoa: não cabe numa alma coletiva, nem em qualquer parcial.
Mas chego a uma conclusão óbvia. Esse comportamento escrito, falado, datilografado, digitado, manuseado, televisado, jornalizado, politicado de alguns dos nossos senadores pode ser tipificado, no mínimo, como abjeção, ou seja, tudo o que se afasta do sistema de valores morais e sociais a ponto de ser repulsivo.
Quando esse Senado volta do recesso – poderiam bem ficar mais um tempinho recessados por conta de um mínimo decoro, não só parlamentar como de alma – e se expõem dessa maneira grotesca, com ameaças diretas e indiretas, nos respectivos telhados de vidro, acusando-se mutuamente, como se nunca, jamais, never, tivessem feito parte do mesmo espetáculo, no diálogo do absurdo, me ocorre o termo Sotia (*), do francês sottie e de sot que literalmente significa louco, composição dramática de caráter profano e cômico, que se desenvolveu em França a partir do séc. XV. E que não desapareceu no final do século XVI como afirmam alguns pesquisadores: continua aqui, vivinho da silva, abrasileirado. Tal e qual! Em pleno século XXI.
Alias, nesta última quarta feira, se não bastasse um, foram logo dois: o discurso da negação do Sarney e o comportamento do presidente da Comissão de Ética, Paulo Duque, arquivando no dorso do vento da impunidade as denuncias e representações. E, para abrilhantar com um grande final essa obra prima desmoralizante e corrosiva, Renan e Collor lado a lado de Sarney, como dois truões bravateiros.
A minha esperança é que se instale aqui um tribunal para desvendar e censurar os vícios e as injustiças da vida social e política, e nós, cidadãos brasileiros — do mesmo modo que os suas, uma espécie de censores públicos anônimos, com um fato cinzento e capuz com orelhas de burro, designados apenas por um número, no nosso caso bastando o número do título de eleitor —, venhamos a exercitar nossa cidadania através do voto repulsivo.
No que se refere à minha pessoa, por enquanto, carregando minhas palavras cansadas, vou buscar guarida no colo de Garret: Lá vou eu. Que eu hei de fazer? Andando, falando, escrevendo, sonho e ando sonho e falo sonho e escrevo.

Sandra Falcone