quarta-feira, janeiro 16, 2008

Des-tempo


Des-tempo!



A percepção do tempo é sentida pelo ser humano, geralmente no estrago que faz no corpo, por fora e por dentro. Assim também, na maioria das vezes, eu meço o tempo egoisticamente, olhando para mim e para os outros.

A partir de uma determinada idade, passei a medir o tempo pelo des-tempo. Ou seja, o "menos tempo" que tenho. Noto também, conversando por aí, que por mais consciência que se tenha do des-tempo, ou melhor dizendo, da finitude, talvez por misericórdia divina essa finitude desaparece quando esperamos o amanhecer ou o anoitecer de um novo dia, embora doentes, tristes, amargurados, desesperados... sem qualquer razão para continuar a viver.

Sei que este tema é debatido há milênios pelo homem - a busca da continuidade de si mesmo, nos filhos, numa obra, num legado e até mesmo na eternidade, uma eternidade que ele desconhece, tanto no sentido micro como macro.

A religião, em qualquer dos dogmas, ajuda, nos envolve de esperança mas, no aqui-e-agora, não resolve. Pelo menos não no sentido que entendemos viver nesta dimensão.

Quando acaba o gás aqui é finito, ponto final, the end. Por isso, nesse debate íntimo de todos os dias, consciente ou inconsciente, não consigo entender, a partir de um determinado tempo, a razão do apego que se tem a determinados bens materiais e, principalmente, à posição social, poder, etc.

Entendo na juventude, mas não entendo na maturidade, quando já temos um passado, bom ou mau, não importa; quando já trilhamos caminhos por vias expressas e vicinais; quando já derramamos lágrimas nossas e dos outros.

Cada dia temos mais pressa, não temos? Tudo é mais rápido! Atravessamos até a barreira do som. Criamos a internet e, em segundos, estamos com o mundo ao alcance dos nossos dedos, imenso e restrito numa tela plana. Queremos mais tempo e, num paradoxo infernal, encurtamos o tempo - ele passa mais depressa.

Eu lembro como, na minha infância, custava chegar o dia do meu aniversário. Nossa! Um tempão. Hoje, quando termino um, o outro está na porta. Quando percebo, lá se foi mais um, outro, mais outro. Não nego que faço de conta que alguns não aconteceram, porém... é só um faz-de-conta.

O tempo passa metódica e inexoravelmente. Independente. Absoluto. Soberano.

Também é obvia a minha indagação de alma: por que então continuar, se sei que vai acabar? E continuo, apesar de tudo, esperando um amanhã radiante e penso que no ultimo instante, que sei que acontecerá, assim será!

Agora há pouco, pensando em coisas que o tempo não muda e que continuam do mesmo jeito que foram inventadas, com toda a tecnologia que o homem criou para facilitar e des-facilitar sua vida, lembrei do limpador de pára-brisa. Continua igualzinho, com aquela simplicidade incrível. Os modelos dos veículos, aviões, por exemplo, cada vez mais sofisticados, mudaram, mas não conseguiram inventar um outro instrumento que não seja aquelas hastes, maiores ou menores, para que possam enxergar através da chuva ou da neblina, não é?

Parece uma ilação besta sem sentido... mas refletindo bem, não é! Talvez nos falte um pára-brisa simples, para que possamos enxergar através do tempo, enquanto há tempo.

A propósito: hoje é o dia do meu aniversário!

TEXTO: Sandra Falcone
FOTOS: Sandras , tia e sobrinha, no tempo já passado!