segunda-feira, agosto 13, 2007

Ufa?!


Sempre considerei os brasileiros absolutamente criativos. Não foram poucas às vezes que fiquei pasma com a capacidade dos brasileiros de absorver suas desditas, invertendo o pólo, de passivo para ativo, fazendo troça de suas desgraças. Uma pequena busca na net mostrará essa realidade. Infelizmente, por mais criatividade que se tenha para esquecer o que o dia a dia nos traz, o nosso cotidiano é tão repetitivo que não há imaginação que agüente. No entanto, se a nossa criatividade está mais pra lá do que pra cá, o mesmo não posso dizer dos Estados Unidos e da China. Encontrei na net duas pérolas que não posso deixar passar batido. Segundo notícias veiculadas pela Uol:

a) um Juiz (Michael Cicconetti) está ficando famoso pelas sentenças nada convencionais, destaco duas, muito interessantes: uma mulher que abandonou gatinhos foi obrigada a passar a noite sozinha numa mata sem água e sem comida, e um homem que chamou um policial de porco teve que ficar de pé em uma esquina ao lado de um porco, segurando um cartaz que dizia: “Este não é um policial”.”“.

b) um jogo on-line em Pequim faz o maior sucesso entre os internautas, o qual numa única semana foi jogado por mais de sete mil pessoas. Trata-se de um jogo que tem como objetivo acabar com os políticos corruptos, inclusive eliminando-os com armas sofisticadas. Esse jogo foi inspirado em falcatruas de altos funcionários do Exercito de Libertação Popular, que foram condenados à prisão por contrabando e desvio de fundos públicos, em 2000 e servem como exemplo para os jovens chineses.

Pensando nesses dois exemplos tratei de me esconder nos meus lençóis. Acordei pela madrugada, suando, vitima de um sonho surrealista - que relato antes que caia no meu esquecimento.

Sonhei que, considerando que a nossa criatividade estava nos estertores, às tantas, resolvi importar os neurônios do tal Juiz. Foi uma trabalheira do cão! Royalties em dólares norte americanos, acordo de confidencialidade, etc. etc. Depois de muita negociação, os neurônios foram importados. Antes que eu pudesse fazer o transplante desses neurônios nos neurônios do nosso Judiciário, precisei fazer uma resenha de fatos do nosso cotidiano brasileiro que mereciam sentenças punitivas, com a obrigação (como em qualquer importação de “cessão de uso” ) à manutenção da premissa e do mérito dos direitos cedidos, com as adaptações necessárias. Desalentada, mas sem outra saída, para que os neurônios importados pudessem se situar num cenário brasileiro razoável, fiz uma pequena amostragem de temas que já mereceram ibope no cenário nacional e que continuam inexorável e ininterruptamente no limbo, aguardando que a vaca tussa.

Comecei por 2004: Waldomiro Diniz, com a mão na cumbuca, acertando “taxa de urgência” com um empresário do ramo de jogos. Caramba! E o José Dirceu que ainda quer voltar? E o vexame dos des-cuecados? Ai meu Deus! Como esses neurônios importados vão entender esse manto de impunidade? Como explicar que a base governista lutou muito para impedir a criação de uma CPI e que com muito custo-beneficio foi instalada em junho de 2005? E as outras “marmotas” que foram desvendadas por força dessa CPI? O assassinato do Prefeito Celso Daniel (PT)? O envolvimento do ministro Antonio Palocci durante sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto? A remessa de dólares vindos de Cuba para a campanha de Lula? A quebra de sigilo bancário de Francelino Costa (aquele caseiro que denunciou o ex-ministro Palloci como habitué de uma mansão de Brasília)? A CPI do mensalão que foi encerrada em novembro de 2005, sem a emissão de relatório final em decorrência por WO dos parlamentares? Deram no pé? Medo? Omissão? Janela de vidro?Ou falta de vergonha na cara? Como conseguem se olhar no espelho?

Quanto ao mensalinho, deixei pra lá. Titica, pobrezinho!

Quando estava por fazer a resenha (com palavras doces e ternas na esperança de sensibilizar os neurônios importados) da CPI dos sanguessugas, ao lado do dossiê contra o Serra e os R$1,7 milhão que vieram do espaço sideral, já com a senha da CPI da Navalha na mão, os neurônios do tal Juiz explodiram, literalmente. Desesperada enviei um e-mail para o cessionário. Se arrependimento matasse eu estava morta da silva. Além de ter que pagar uma multa pesadíssima fui condenada a ficar na linha vermelha duas horas, dentro de um carro importado, com um cartaz em letras garrafais: botou a boca no trombone, como cidadã? Guenta!

Nesse momento de total desespero, na linha vermelha e ao Deus dará, uma vez que o Pan já era passado e as balas já cumpriam a sua trajetória usual, livres e soltas (até a Copa, pelo menos) como Deus é brasileiro, tratou de enviar o meu anjo-da-guarda para uma mãozinha amiga. Num passe de mágica, da linha vermelha fui direto para o computador e como última alternativa, já falida como cidadã, comprei , via e-mail, torrando todos os meus cartões de crédito, a juros de 10% ao mês, os direitos de uso do tal joguinho chinês, tendo o cuidado de enviar, preliminarmente, a mesma resenha que fiz para os neurônios importados...

Lamentavelmente (juro que não fui eu ) e não sei como, um vírus jamais criado foi junto com a resenha e pelo que pude observar, explodiu também, literalmente, todos os computadores que estavam on-line jogando o tal joginho que extermina políticos corruptos.

Ainda bem que acordei antes que os chineses inventassem outro jogo, desta vez para me eliminar, como cidadã. Ufa !


Sandra Falcone

exercício da cidadania


A Globo foi a única emissora a divulgar (pelo menos até onde pude perceber) que apenas 8% dos entrevistados na pesquisa que mantém os 48% do Lula pertencem à classe média (alias, classe média coisa nenhuma). Os 92% restantes nunca chegaram junto de um aeroporto, infelizmente! Na minha modesta opinião, esse tipo de pesquisa nem sempre retrata a realidade e pode, muitas vezes, distorcê-la, pois os quesitos são pontuais. Por exemplo: se alguém me perguntar se eu uso sapatos de salto alto vou dizer que não, induzindo que não gosto, quando na verdade eu gosto, e muito, mas não uso porque meus joelhos atrofiados não deixam.

Entendo também que as manifestações não são para mandar o este ou aquele para o espaço – são manifestações que demonstram desagrado e repúdio diante de uma situação. Não importa se apenas dez, vinte ou dois mil se manifestem. O fundamental é que se manifestem.. É um exercício de cidadania, um processo que vai se estruturando aos poucos em nosso país, estamos aprendendo.

Manifestações sempre criam visibilidade e essa visibilidade muitas vezes, por mais cruel que possa ser, conduz á conscientização. Uma coisa é ler que alguém se feriu, outra coisa é ver o ferido. O impacto da visão é muito mais profundo. Tomo como exemplo as cruzes e os sacos pretos que cobriram a orla de Copacabana, denunciando só no primeiro semestre deste ano três mil assassinatos, o quadro foi dantesco!

Embora defenda a visibilidade , penso que o exercício da cidadania se realiza de muitas maneiras, inclusive através da reflexão íntima.Sempre que revejo aquele ditado: diga-me com quem andas e eu te direi quem és, penso em mim mesma. Eu sou a minha primeira companhia, não sou?Com meus pensamentos, e minha ética, ainda que não exteriorizada, está lá...

Vou contar um fato que aparentemente nada tem, mas que tem: minha cadelinha (Vitória) morria de medo de botar as patinhas fora da soleira da porta. Eu chamava, mostrava biscoitos...e nada...Mas não desisti e todos os dias fazia a mesma coisa.Na semana passada, sem eu chamar, distraída na porta do elevador, quem vejo? Vitória... A cidadania é mais ou menos assim, precisa de chamamento, de biscoito, de insistência... um dia toma coragem e entra no elevador e sai na rua. Não podemos ter medo de botar o pé além da soleira da porta.
Infelizmente estamos nivelando tudo por baixo, sufocados por esse oceano de impunidade.

Hoje, por exemplo, vi na tevê uma senhora muito pobre, na penúria mesmo, levar o filho e os objetos furtados na delegacia. Fiquei espantada e emocionada, assim como os policiais que a atenderam, tanto que doaram uma cesta básica. Depois, no transito maluco de todos os dias, fiquei pensando: isso não deveria ser natural? No entanto, não é!

E porque não é? Porque estamos envolvidos pelo manto do mais absoluto descaso. E não?Os soldados que foram designados para a cobertura do Pan e do Para-Pan, tratados como animais, o que é? Alimentação pouca, em barracas, na mais profunda promiscuidade, num alojamento alagado e sujo, enquanto defendem as nossas vidas e dão a sensação para o mundo que a violência é ficção científica? Esse quadro eu vi exclusivamente porque um soldado exercitou sua cidadania, filmando o alojamento ainda que no anonimato de câmeras escuras e voz disfarçada, as imagens não negaram nada.

Nunca vou esquecer algum tempo atrás um quadro magnífico de dignidade humana. Um operário dirigindo um trator se recusou a derrubar um casebre.Aquela figura ficou pra sempre em minha mente: chorando e prostrado diante de algo que não tinha coragem de fazer, mas forte, valente... embora profundamente frágil. Provavelmente perdeu o emprego. No entanto, a partir daquele dia, eu peguei o meu "trator", talvez muito menos digno do que o dele, mas peguei... e me dependurei nas palavras e virei uma cronista-mala .
Sempre que quero desistir, porque desistir é mais fácil, lembro daquele anônimo e seu trator... Não sei se o Renan toma vergonha na cara e desgruda da cadeira e sai, mas eu, garanto: fico e não largo das palavras...NEM MORTA! Sempre sobra um médium para psicografar .

AH! Estava esquecendo: porque o Aerolula (também um Airbus) não pode voar com os reversos travados e nós podemos?!

Dos males , o menor . Ainda bem que o nosso Ministro da Defesa , com seus 1,90cms vai ajudar os meus joelhos (sustentando os meus 1,67 cms de altura) não ficarem mais atrofiados do que são, cada vez que viajo de avião.

Texto e trabalho gráfico: Sandra Falcone