sábado, junho 20, 2009

Parole

Palavras, palavras, ela sorria e repetia, palavras. Procurou o CD. Parole... linda música, linda... ainda bem que entendia italiano. Parole. A música dizia de palavras deixadas ao vento, ao acaso, era isso? Não tinha muita importância, mas caía na sua alma assim. Aumentou o volume, abriu a janela do carro. O vento excitava-a. De um modo geral toda a natureza tinha esse poder sobre ela, excitava-a. Sentiu-se molhada de novo. Era gostoso, íntimo, sentir-se molhada, um prazer secreto, particular, só seu. Egoísta? Sim, mas era tão gostoso! Delicioso! Tocou-se leve sobre o short, lentamente. Não se tratava de masturbação, apenas carícia, sabia como se dar prazer. Sorriu.

De repente, cruzou aquele rosto enevoado, ao seu lado, na moto. Mas havia o olhar, forte, sob a aba do capacete levantado. Difícil dirigir com aquela moto, lado a lado, seguindo-a. O olhar também seguia, quieto, masculino, indecente, perturbador, dominador. Sempre que lhe assediava um olhar assim tornava-se irresistível a vontade brutal de litigar. Sim, era essa a palavra: litigar. Aquele olhar, olhando, olhando, sem licença. Não titubeou! Enfrentou, francamente, sem peias.

Ele olhando, ela acariciando...


De repente, a mão dele, num gesto, quase imperceptível: siga-me, siga-me. Seguiu, um longo tempo. Litoral norte. A estrada vazia. Dirigiam em alta velocidade. O sinal da lanterna, outro gesto, agora nervoso, a mão dele: à esquerda, esquerda. A estrada pequena, de terra, tortuosa e, ao fundo, o mar. Ela seguindo. Desligou o carro. A moto chegando, agarrou-se a ele, à garupa, o corpo forte, duro, as mãos se procurando, cúmplices. Juntou-se àquele corpo suado, cheirando a gasolina.


Não conhecia o lugar desértico. Não tinha medo, nenhum. Uma confiança absurda, agarrada àquele desconhecido. Ele percebia, sabia disso no toque de seus dedos, vez por outra, aquietando-a, tranqüilizando-a. Não teve pressa. Não queria a pressa. As rodas marcando a areia da praia branca. A pequena montanha. Não se falavam, nada. Apenas as respirações, nada mais. Evidente a familiaridade dele com aquele lugar, cada pedaço, cada canto escondido. No fim do atalho, moto desligada, pegou-a nos braços. Chegaram ao topo. Com suavidade, libertou-a, afastou-se um pouco, tirou o capacete, mostrou-se. O rosto marcado, agreste, emoldurando aqueles olhos, a boca larga. Abraçaram-se, quietos, misturando-se com a paisagem. O mar falava-lhes, sincopado. Os lábios na nuca vieram suaves, a língua lambendo-a, as mãos puxando seus cabelos.Torturaram-se por segundos na espera do encontro das bocas. O beijo chegando, lábios roçando, as línguas, o gosto da saliva. O encontro das bocas machucando-se, sangrando no beijo. Os seios tesos, dominados, judiados, os dedos dele pródigos atendendo ao pedido dela. Fêmea na grama, no chão. Ele olhando-a, de pé! Era forte, mais alto assim. Ficava pequena, gostava de ficar pequena. Olhavam-se, olhavam-se... litigavam, sem sombra de pudor. Despiram-se, naturais, obscenos. Nus, dois animais, famintos, já se sabiam. Anoitecia e ainda estavam lá, tocando-se, mordendo-se, cheirando-se, devorando-se com naturalidade.

Levantaram-se. Ela de novo na garupa até o carro, ele olhando, na moto. O mesmo sinal, ela seguindo. A estrada, a serra, a cidade já murmurando. Na esquina, o farol. Olham-se de novo, sorridentes, tranqüilos. O aceno final.

O ronco da moto ainda no vento. Ela sorri, procura o CD. Parole, Parole, Parole. Outro sinal. O menino. O revólver. O sorriso bruto. O estampido. Depois só a música, no último volume.


texto e imagem: Sandra Falcone

andarilho!



oi andarilho?
por que tanto andas?

não só ando
vou!
não te cansas?
não, é meu caminho
me alento
!

e o sol, queima?
não, converte-me em sombra
me guia!


e a terra dura, machuca?
não! é suave
acolhe
deixo meu rastro.


e a noite, não te perdes?
não
me guarda
até quando é dia.


mas
tão pouco?
não! tudo!


tudo?
sim, tu sabes?
sei?
sim, por que tu me segues?
retraços de mulher/ sandra falcone