terça-feira, abril 28, 2009

voto de minerva


Voto de Minerva

Assistia há poucos dias a entrevista coletiva da ministra Dilma e pré-candidata à Presidência (embora nas entrelinhas em propaganda eleitoral descarada). Eu estava dividida entre duas pessoas. Eu-solidária, diante de um drama, uma doença, imaginando os momentos difíceis que a nossa ministra passou e passa. A outra-eu cidadã, numa relação natural entre o tratamento que se dá a outros brasileiros comuns, aqueles que dependem de um hospital público com a mesma doença ou não.

Essa relação tornou-me por momentos uma pessoa de que eu não gosto, a que se afasta da solidariedade. Fui tomada por um desejo irresistível de estar presente na mesma entrevista coletiva com perguntas desconcertantes, não relativamente à doença, que lamento, mas quanto ao tratamento.

Não pude deixar de pensar nas cenas que dezenas de vezes são apresentadas na televisão, com tanta naturalidade, em que pessoas humildes são tratadas sem a menor comiseração, largadas pelos corredores de hospitais imundos, chorando: dor física e espiritual, humilhação, frustração, tanta coisa! A cada explicação dos médicos e do tratamento que será dado à ministra, me senti quase uma besta humana, com vontade de urrar, ainda que não fosse ouvida, mas que tivesse a força de trilhões de megatons que explodissem na consciência, não só nossas e daquela que era objeto da entrevista com a pretensão de vir a ser nossa presidente, mas que essa explosão fosse de tal magnitude que afetasse a alma daqueles que nos representam, e os fizessem, metaforando, ressuscitar, pois já estão mortos, em estado de decomposição e não sabem.

Fedem e não conseguem perceber o cheiro, absolutamente entrincheirados que estão nos seus umbigos, atrás de passagens aéreas, bonificações em tempo de recesso, não só parlamentar, mas de saúde financeira também do país, aumentando suas verbas de representação, mandando o papagaio, o cachorro (com babá) para Paris e adjacências – ou seria indecências? Batem no peito contra o nepotismo, enquanto na calada da noite estão a terceirizar serviços, a nomear os desnomeados-nepóticos.

Câncer? Sim, foi exatamente um cancro degenerativo da consciência e do dever de oficio que os matou. Qual a quimioterapia para – se não curar, pelo menos minimizar – o que acontece não só nos nossos hospitais públicos, mas na nossa sociedade como um todo, com trabalho escravo escachado em tecnicolor na televisão, com nossa justiça paraplégica, com milhares e milhares de processos empilhados?


Ah! Até que gostei do bate-boca do Supremo – ninguém sai às ruas?

O pior de tudo isso é que continuamos na mesma inércia, elegendo esses mesmos zumbis-chupins, ano a ano, como nossos representantes. Nesse círculo vicioso que nos contamina, oferecemos nossas carcaças às hienas por vontade própria, através do voto.

Enfim, quem sabe um palácio de espelhos resolveria a questão... Pensei nisso quando me lembrei do texto abaixo:

“[…] a mente enquanto um grande espelho, contendo variadas representações - algumas exatas, outras não - e capaz de ser estudado por meio de métodos puros, não empíricos. Sem a noção da mente como espelho, a noção de conhecimento como exatidão de representação não se teria sugerido. Sem esta última noção, a estratégia comum a Descartes e Kant - obter representações mais exatas ao inspecionar, reparar e polir o espelho, por assim dizer - não teria feito sentido. Sem essa estratégia em mente, afirmações recentes de que a filosofia poderia consistir em ‘análise conceitual’, ou ‘análise fenomenológica’, ou ‘explicação de significados’, ou exame da ‘lógica de nossa linguagem’ ou da ‘estrutura da atividade constitutiva da consciência’ não teriam feito sentido”. (RORTY, 1995).

Finalmente, lendo tudo isso fiquei numa briga de foice, entre as afirmações recentes da filosofia e, naturalmente, só me restando filosofar numa hora desta, a filosofia do nada!

Deu empate e abstive-me do voto de minerva.


Sandra Falcone