sexta-feira, julho 17, 2009

Tom&Jerry

Tom & Jerry

Hoje repeti uma expressão que minha avó usava como argumento de convencimento: juro que vi com estes olhos que a terra um dia há de comer! Já faz tempo que perdi a originalidade. Vivo embolada num círculo vicioso de coisas já ditas e, atualmente, com certa habitualidade, clonando frases dos meus entes queridos mais velhos. Economia e sabedoria!
E hoje não deu outra. Foi difícil convencer a mim mesma daquilo que vi e do que ando vendo.
Com esse receio, fiz a jura de dedos cruzados, ou melhor, deixei o juramento na gaveta, em espera, até que eu pudesse ter absoluta certeza. E o risco de colocar os meus olhos numa fria?
Além disso, jurar sob falso testemunho é pecado. Ainda que no silêncio da minha sala de tevê, eu e eu, mais ninguém.
Liguei para o oftalmologista e marquei uma consulta urgente.
Consultada, disse ao oftalmologista que estava vendo coisas, que fizesse um exame de fundo de olho, quem sabe uma catarata, um glaucoma. Depois de uma hora, com as pupilas dilatadas, vendo tudo embaçado, um pouco enjoada, o médico me disse: está tudo em ordem, a senhora não tem nada. Como eu insisti, ele acabou me aconselhando a procurar um psicólogo ou psiquiatra. O meu problema estava na cabeça!
Um pouco revoltada acabei marcando uma consulta no primeiro psiquiatra que encontrei no meu livrinho do seguro-saúde. E lá fui eu. Expliquei ao doutor que estava vendo coisas, que estava lá por conselho do meu oftalmologista, já que não havia nada com os meus olhos.
O psiquiatra, delicadíssimo, naturalmente quis saber das coisas que eu andava vendo. E desfiei o rosário. Aliás, nem tudo, fiz uma seleção, para não estourar o horário da consulta. Quarenta e cinco minutos depois o psiquiatra, com olhar de abismo – sabe aquele olhar que você entra e não sai? – diagnosticou mais ou menos assim: olha minha senhora, imputo o seu problema aos seus neurônicos, acesos demais, considerando a atual conjuntura. Faça o seguinte, em vez de ficar lendo jornais, assistindo telejornais, pesquisando na net, atenta ao que acontece nesse país, gente morrendo nas portas de hospitais, tristeza escorrendo pelas ruas, assista a um desenho do Tom & Jerry, veja o encantador de cães, o Dr. Pet, ou, pegue um DVD, e assista a um filme, pois sempre será ficção, ainda que retratando uma verdade. Coisas assim, que desocupam os seus neurônios. Para sua usual insônia e pesadelos, receito dormonid que funciona como desmemoriol. A senhora dorme e se tiver pesadelos, ao acordar não vai lembrar de nada.
Para ser sincera não gostei muito. Esperava talvez um milagre, sempre espero, afinal, antes de tudo sou brasileira. Já estava saindo quando o psiquiatra gritou meu nome. Ah! lembrei de uma coisa importantíssima, fundamental para o seu tratamento e sua sanidade: não se atreva a clicar no canal do Senado, OK?
Já era noitinha e fui para casa de metrô, quer dizer, não fui, me levaram. Mal comecei a descer as escadas fui alçada para dentro do vagão (andando no ar) e só consegui sair duas estações passadas da minha, isso porque dei uns trambolhões. Enfim, exausta me joguei no sofá e liguei a tevê. Ao procurar o Tom & Jerry, o que vejo? O Lula saracoteando com o Collor!
Acreditem, nem precisei pegar o meu juramento da gaveta. Ele mesmo se desengavetou, correu pra janela e a plenos pulmões: Jura que eu vi com estes olhos que a terra há de comer.
Falei em comer? Fiquei com fome, com fome pensei em pizza, pensando na pizza, pensei nos pizzaiolos. Será que os pizzaiolos do Brasil vão aceitar a comparação do nosso presidente?

Caramba, calúnia e difamação com esses pobres trabalhadores!
Tem dó!

Sandra Falcone


Inçaites( VII)


a ruazinha delicada
protegida
pelos arbustos
observa
atras da janela
a mulher
dedilhando: saudade

quando a luz
adormece
e o silêncio
abraça aquela janela
a ruazinha delicada
aconchegando-se
na madrugada
...chora!


Imagem e poema : Sandra Falcone