quinta-feira, julho 05, 2007

“oncotô? poncovô? concossô?”


Eu “me tinha feito” uma promessa de que não voltaria a atacar determinadas atitudes usuais e corriqueiras que mancham a nossa dignidade de cidadãos. Fiz essa promessa por uma razão fundamental: minhas crônicas, nos últimos três anos (quando abordam ações ligadas ao governo, senado e câmara), são verdadeiros “containers” cronísticos. Num ponto tal que estava querendo assinar minhas crônicas sob o pseudônimo de cronista-mala. Sempre abordando as mesmas coisas: corrupção, violência, falta de decoro, omissão, ética jogada no lixo e, por aí afora. Um dia, assistindo a mais um espetáculo dos nossos representantes, me deu um “piti” cronístico e gritei pra mim mesma: chega, fora, vaza... e fui cronicar por outros caminhos. Um esforço tremendo, diga-se de passagem, precisei deixar de assistir aos telejornais, tomar um desmemoriol como cidadã. Ou seja, exilei-me da realidade brasileira, em legítima defesa .

Até que estava suportando esse exílio quando caí na besteira de dar um pulo no site oficial do atual presidente do Senado, Renan Calheiros, e, pior, não resisti à leitura do seu último pronunciamento. “Vou te contar”, como diria minha ex-vizinha do segundo andar: foi dose! Até minha cadelinha Vitória, diante da minha inconformação, começou a rosnar. Imagine o que a pobrezinha imaginou, na sua doce pseudo-irracionalidade, assistindo a uma mulher feita sapateando e falando aos quatro ventos. Aliás, é bem difícil falar em racionalidade atualmente, não é? Como diria um grande amigo meu: raios! Dei meia volta e fiz uma promessa des-promessando a anterior: sou cronista-mala, sim senhor! E tem outro jeito? Como posso ficar calada diante de tudo quanto o senhor presidente do Senado (enterrado na cadeira que não quer deixar de jeito nenhum, nem que a vaca tussa), depois de rejeitar a hipótese de se afastar, ainda que temporariamente, da presidência do senado: “mesmo que com isso contrariem-se apetites políticos de ocasião”. Raios, de novo! Apetites políticos de ocasião? Só se for o dele. Mais uma vez subestimam a nossa capacidade de avaliação.

Partindo do pressuposto de que é inocente, o mínimo que se esperava dele - considerando a envergadura, responsabilidade e dignidade do cargo - é que se afastasse. Não foram absolutamente condescendentes os seus pares ao “sugerirem” que se afastasse temporariamente? Então! Perdeu uma grande chance de sair pela porta da frente. Não, imagine!!! Nunca! Junta palavras bonitas num discurso pra inglês ver e acha que tudo está acertado, ou explicado, e continua grudado naquela bendita cadeira com unhas e dentes.

Não parto do princípio brasileiro de que todos são culpados (sic), até prova em contrário... ao contrário. No entanto, para que isso possa ser respeitado, as ações no exercício de uma profissão, no caso, do cargo, devem estar necessariamente pautadas pelo princípio da ÉTICA, tanto sob o ponto de vista individual como coletivo, ativa e passivamente, de modo que seja materializada, compreendida e vistoriada. A sincronia recíproca entre a faculdade e o poder - que determina, induz, faz, age e pune - e o respeito à liberdade individual, na igualdade que a lei assegura, só é alcançada com equilíbrio, justiça, dignidade e liberdade quando a norma e a faculdade se confundem, formando um só todo, utilitário e exigível, fundamental para que a norma cumpra a sua finalidade e produza os seus efeitos, tanto sob o ponto moral e ético, como e também técnico e jurídico.

Infelizmente, esse grude com a cadeira não permite o exercício dessa ética, abortando-a de início. Ainda tenho que ouvir na tevê o senador perguntando: “O que é que eu fiz? Do que me acusam?” Se eu pudesse entrar na tevê, responderia como um bom mineiro: “oncotô? poncovô? concossô?”

Dizem as más línguas que o peixe morre pela boca! E é exatamente isso que se deduz do pronunciamento a que me refiro nesta crônica. Portanto, com o risco de responder por “royalties”, faço minhas as palavras do presidente do Senado, rezando com todas as minhas forças para que ele não se aproprie daquele ditado: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”: “sucumbir à sedução de um pseudoclamor é atitude incompatível com a coragem e a honradez que devem pautar a conduta dos homens públicos, principalmente quando investidos na Presidência do Senado Federal”.

Antes de encerrar este texto, uma pequena observação quanto ao destaque dado pelo senhor presidente do Senado quando afirma que a casa não vive um momento de crise e que a sua produtividade não foi afetada. Se mal me pergunto: e deveria ser diferente? Caramba, meu!

texto e trabalho gráfico: Sandra Falcone