segunda-feira, junho 22, 2009

onde vc estiver

não sei colocar a música, vai o endereço!

http://www.youtube.com/watch?v=DxJYFrmrdjo

Hein? Ronaldo?

Zequinha


Nasceu prematuro, do tamanho de um sagui, aliás, não só de tamanho, mas o jeitinho: enroladinho na incubadeira, as mãos pareciam maiores do que os pés. Ficou ali quase um mês até que o hospital municipal deu alta. A mãe, Nair, já quase nos quarenta, parecendo quase cinquenta, não queria levar. Como cuidar daquela miniatura de gente, tendo que trabalhar, e mais três outros meninos? Além disso, sentia que o menino não estava “feito” ainda. Mas não teve jeito, quando sugeriram uma adoção, pegou o moleque rapidinho e sumiu do hospital.
Nair é mulher de Antonio, zelador há mais de 20 anos de um prédio nos Jardins, que só não é mandado embora porque a indenização é alta e a maioria dos condôminos não quer pagar os seus direitos.
Antonio e Nair e os quatro filhos, uma escadinha, moram na cobertura do prédio, num quarto-e-sala. A mobília da casa vem das “doações” dos moradores – transporte de coisa velha é caro, não é? Nair passa o dia fazendo limpeza nos apartamentos dos prédios vizinhos, é diarista, não tem carteira assinada e nem décimo terceiro , mas é feliz, porque pode vez por outra dar uma olhada nos moleques.
O pai resolveu apelidar de Zequinha, embora o nome fosse Gilmar, porque cresceu como nasceu, pequeno, quase feito. A escola pública na Avenida Paulista quase não aceitou a matrícula. Aos sete anos parecia ter três. Agora, aos dez anos, já aparenta quase sete. Não fala muito, é tímido, mas seus olhos são como um infinito de promessas quando diz bom dia, no elevador, de serviço, é claro. Mas se tem alguém no elevador, sai, como se não fosse a sua vez.
Certa tarde estava nos jardins do prédio sentadinho, tomando conta dos irmãos, ele, o menorzinho. Como sempre com a camiseta do Ronaldo. Não resistiu e perguntou a ele:
— E aí, Zequinha, você gosta de futebol? Ele respondeu muito educadinho:
— Eu gostava de ser jogador, mas sou pequeno, gosto mesmo é do Ronaldo, não sei por que meu pai não meu deu o nome dele, me chama de Zequinha e meu nome é Gilmar.
Encantada com aquele olhar luminoso:

— Gilmar foi um grande goleiro, talvez o mais famoso do Brasil, você nem tinha nascido quando ele era jogador. Além disso, é um nome forte.
— Eu sei, meu pai me disse. Mas eu gosto é do Ronaldo. Ele é demais!
Zequinha, além de ser pequeno, tem um distúrbio muscular: quando anda, parece que está andando de lado, sempre para esquerda... nunca em linha reta.
É... o Zequinha estuda na Avenida Paulista e mora numa cobertura nos Jardins. Com a camisa do seu ídolo e não anda em linha reta. Fica impossível deixar de pensar na entrevista do Ronaldo no mês de maio, quando coloca a culpa nos meninos pobres brasileiros o fato de entender que o seu filho deva ter uma educação européia. Que feio, Ronaldo !

Resta a pergunta: o que é andar em linha reta?hein? Ronaldo?

Sandra Falcone, maio de 2009