quinta-feira, setembro 24, 2009

Madam’Aparrecê

Aparecida trabalhava em casa, arduamente, naquela máquina de costura, pedalando dia e noite. Sustentar uma casa com quatro filhos pequenos não era fácil. Mas não se queixava, gostava de costurar. Com o tempo foi se aprimorando e angariando freguesas. Depois de muito sacrifício comprou um motor — já não precisava pedalar mais.
E assim foi, anos a fio. Guardava os retalhos para as roupas das crianças, principalmente para as meninas, graciosos vestidos, bordados. Olhava as revistas estrangeiras nas bancas de jornal, que não podia comprar, e memorizava os modelos, as tendências, as cores. Os filhos cresceram junto com suas varizes. Mas não se importava.
Modesta, cobrava pouco, considerando a qualidade do seu trabalho. Nos casamentos das sobrinhas e primas, o presente — feitio do vestido de noiva, vestidos de capas de revista.
De todas as freguesas a mais assídua era dona Ester, riquíssima. Chegava de motorista com o filho. Um moleque malcriado, cinco ou seis anos, que entrava pela modesta casa, mexia em tudo, puxava o rabo da cadelinha e comprava briga com os filhos menores de Aparecida. A filha mais velha, já com quinze anos, não o suportava, mas não tinha como impedir. Dispensar a melhor freguesa da mãe?
Naquela quinta-feira fazia muito frio. Dona Ester chegou esbaforida. Sábado tenho uma festa black-tie, trouxe um vestido de Paris, mas não serve mais. Preciso de um vestido até sábado. Aparecida, como sempre, não recusou. Esmerou-se no vestido de gala, todo bordado, varando quinta e sexta e as madrugadas. No sábado, às onze da manhã, rigorosamente no horário determinado por dona Ester, o motorista levava aquele vestido deslumbrante, caprichosamente passado.
Na semana seguinte lá estava dona Ester carregando mais tecidos com o filho capeta. Sem qualquer constrangimento, enquanto combinava os próximos vestidos e o menino tentava puxar o rabo da cadelinha escondida debaixo da mesa, disse: Meu vestido foi o mais bonito da festa. Todas as minhas amigas ficaram morrendo de inveja, sabe? São muito sofisticadas, vestidos Dior, Gucci, Cacharel, Ralph Lauren. Quando me perguntaram onde eu tinha comprado, não pude dizer que foi a senhora, seria deselegante, então respondi que o vestido tinha sido feito sob medida por Madam’Aparrecê. Quando me perguntaram onde poderiam encontrar Madam’Aparrecê, eu disse que minha madame, estilista francesa radicada no Brasil, não estava disponível, dedicava-se exclusivamente a três clientes vips, eu e mais duas senhoras muito elegantes de Porto Alegre, ninguém mais!
A filha mais velha, ouvindo aquilo tudo, não titubeou, chamou os dois irmãos menores que também odiavam o molequinho e liberou: podem bater à vontade.
Dona Ester, depois de resgatar o capeta das garras dos meninos de Aparrecê, todo lenhado e rasgado, pegou de volta os seus tecidos estrangeiros: Aparecida, nunca mais vou pisar aqui. Seus filhos são verdadeiros marginais.
A filha mais velha, rapidamente, abriu a porta da rua com a cadelinha no colo que abanava o rabinho na maior felicidade!


filha mais velha de Madam’Aparrecê