sábado, fevereiro 17, 2007

do tempo






do tempo
fiz uma árvore

o caule retorcido
abateu-se
na ausência de frutos e flores

.... guardei-te nas raízes





Marise Pollonio

É no vermelho!


Ontem, transantonte e muitos ontens passados (provavelmente futuros também), assistindo aos telejornais, um fantasma apareceu na minha frente tremulando uma bandeira. Primeiro achei que era um porta-bandeira já falecido de uma escola de samba. Carnaval chegando! Depois olhei melhor e vi que o fantasma-falecido não estava sambando, estava gritando. Tomei um dormonid. Só ele mesmo para tirar aquela visão da minha memória e os gritos lancinantes – acho que, muda, fiz um dueto. Apaguei!

Acordei com a boca amarga , como cidadã, como pessoa, como alma, como nada. Cansada daquele nada resolvi sair pela tangente. Ficar pendurada nas palavras escritas e quem sabe, num verso bem lúdico, voar até uma estrela e encostar minha dor num outro planeta, ou naquele buraco negro que os entendidos em astronomia dizem existir e que um dia vai engolir todo o universo, inclusive nós, pobre mortais. Não deu certo. O verso esperado nem apareceu para dar um olá. Fiquei frustrada! Eu bem que merecia uma inspiração. Ninguém é de ferro. Nem eu! Se bem que ferro enferruja. Corrigindo: ninguém é de aço!

Esqueci o lúdico. Vou escrever uma crônica mais coloquial. Prosaica, diriam alguns. Afinal, tenho uma coluna, não tenho? Ainda que na contra-mão. Resolvi dar uma espiada nas minhas crônicas. Caramba! Já escrevi sobre tudo: a estrela vermelha no Planalto, a mudança do nosso logotipo, a missão de paz, as CPIs, a dança protagonizada por aquela deputada amarela, a cueca, o Waldomiro, o Dirceu – lembrei agora do Rei: eu voltei, voltei para ficar, eu voltei aqui é meu lugar. Mas, falando sério, nunca escrevi tanto (e continuo escrevendo, sou teimosa!). Filas do INPS, carteiras de trabalho des-assinadas, assaltos, insatisfação, medo, revolta. Até clonei os sete pecados capitais. Desanimada, sem meus versos lúdicos e com palavras bocejantes nas minhas crônicas cansadas, fiquei com a brocha na mão. Não sobrava nada. Replay apenas.

Da brocha na mão, como escrevo, não pinto, pensei no lápis. Talvez fosse essa a receita, escrever tudo “no” lápis. Lembrei de um episódio muito encantador. O filho de um amigo meu vendo o pai triste e acabrunhado perguntou: pai, você tá triste? O pai, querendo ser sincero, respondeu usando uma metáfora, no seu entendimento ao nível do menino: escrevi minha lição de casa errado. O filho respondeu com a naturalidade que se tem aos sete anos (pra não dizer com um bofetão de sabedoria ): por que não escreveu a lápis? Pegava a borracha e apagava tudinho! Evidentemente que com essa graça a inspiração não negou chumbo: nasceu um poema. Quem sabe para eu deixar de ser uma poeta bissexta preciso de um lápis. Sei lá, estou divagando, como sempre. Até agora falei, mas não falei nada, nem escrevi.

E eu posso falar? se mal me pergunto. Ou melhor dizendo, falar o quê? O Brasil não tem catástrofes naturais, tsunamis, terremotos, nem Andrews, nem Andréias (tornados). Antes tivesse. Eu estaria aqui me esgoelando contra a natureza. Que coisa boa, Dio Santo! botar a culpa no imponderável! Mas não posso! Posso? Que natureza é essa que esfola uma criança por sete quilômetros, que mata civis inocentes que chegam do trabalho, depois de horas amassados num ônibus lotado? Tiros trocados pelas milícias, pelos traficantes, pela polícia, pelo exército. São balas de coco?

O que nos espera? A lei que vai ser sancionada nos próximos dias? Mais uma vítima inocente! As dezenas de assassinatos diários? Quantas missas de sétimo dia e um minuto de silêncio vamos ter que purgar? Fico com Manuel Bandeira ou com Chico Buarque e Edu Lobo? Hum... pensando... com um pedacinho dos dois, ou melhor, dos três.

E quando estiver triste
Mas triste de não ter jeito[1]
Um lugar deve existirUma espécie de bazarOnde os sonhos extraviadosVão parar[2]

Ah! esqueci de contar. Aquela bandeira era vermelha. Já escutei por aí que cor é uma questão de cultura, não de gosto. Há controvérsias. Uma certeza tenho: o sangue que corre nas minhas veias é vermelho, não azul. E quando sangro, por dentro ou por fora, é no vermelho!

Sandra Falcone


[1] Passárgada.
[2] Moça do sonho.