segunda-feira, maio 14, 2007

Uma história de amor

Um lindo e doce poodle – extremamente amado pela sua família – estava doente, muito doente. De repente os seus rins pararam de funcionar. Sentia muitas dores, mas não chorava, sentia a aflição e dor da sua dona, não queria preocupá-la ainda mais. Agüentou o quanto pode. Não tinha mais forças, nem para abanar o rabinho. Numa quarta-feira, quando sua dona chegou ao hospital, conseguiu com extraordinária dificuldade dar uma lambida de despedida. Ficaram abraçados até que a injeção dada pelo veterinário surtiu efeito. Aos pouquinhos a dor foi desaparecendo até que desapareceu de vez. Tudo ficou muito quieto. Quando novamente abriu os olhos estava montado numa estrelinha, lá no céu. Gostou muito da estrelinha, aliás só podia gostar, não tinha sido coincidência o nome adotado pela sua dona, Bilac – aquele poeta que sabia ouvir e entender as estrelas. No entanto, apesar de se sentir profundamente bem e confortável, sentia muitas saudades da sua dona e sabia que ela também. Afinal, oito anos de amor profundo entre os dois, uma história tão bonita... as viagens, os passeios na praia à noite... Gostava do mar como sua dona, como era gostoso entrar no mar nas madrugadas! É verdade que a dona ficava bem chateada com as marcadas de território que costumava dar, principalmente nos sapatos dos amigos, mas ele sempre dava um jeito de compensar. Escrevia crônicas quando ela não estava inspirada. Deitava nos seus pés, dava dois latidos, uma lambida e pronto: a dona começava a psicografar seus pensamentos. Momentos inesquecíveis.


Um dia, com aquela tristeza como um balão cativo às suas costas, resolveu conversar com sua estrelinha. Ela tem tanta luz (pensou) e luz é sabedoria. Antes que pudesse se manifestar, a estrelinha num sorriso compreensivo falou: meu amigo querido, sei da sua saudade, da sua dor e da sua preocupação com sua dona, desde o instante que você veio pra cá. Mas não se preocupe, desde o dia que foi determinado para sua viagem de volta fizemos uma conferência com outras estrelas e, sabendo o quanto seria difícil essa separação, tanto pra você como para sua dona, começamos a procurar um outro amiguinho que pudesse, não substituir você, mas aliviar a dor da sua dona. Depois de muito procurar, soubemos por uma outra estrela que estava pra nascer uma cadelinha, fruto de um amor proibido entre um bassê cor de mel e uma pinscher, num descuido da criadora. E assim foi. Daquele amor proibido nasceu um único filhote. Herdou do pai e da mãe a cor de mel e um pouco das feições dos dois; do pai, a estrutura do corpo; da mãe, as orelhas e as pernas cumpridas e magrelas. Uma misturança só. Naquele canil de pedigree não tinha lugar. Era uma mestiça, para não dizer uma vira-lata.
Depois de muito refletir, pedimos a ajuda do Elfinho (anjo- da-guarda da sua dona) e fizemos um pacto com ele, de modo que a sua dona, de alguma forma chegasse até a cadelinha. Uns dias após a sua partida, todos os amigos da sua dona preocupados com a sua perda, mandaram muitos e-mails, indicando vários canis. Ela no começo ficou até revoltada, como poderiam imaginar que ela substituiria você? Mas o Elfinho tomou conta dos dedos dela e fez com que abrisse um dos e-mails. Era o canil onde tinha nascido aquela mestiça. Conversa vem conversa vai, a criadora acabou contando que tinha uma cadelinha sem pedigree rejeitada, que ninguém queria. A sua dona, muito a contragosto, acabou concordando em receber uma foto da tal mestiça. Achou a cadelinha esquisita, mais parecia um morceginho-cachorro. No dia seguinte a criadora levou a cadelinha para sua patroa conhecer e mal a bichinha chegou foi logo saltando para o colo dela. Agora está lá, na sua antiga casa.

Bilac, ouvindo a história, ficou um pouco ciumento, mas como amava profundamente a sua dona deixou seu egoísmo de lado e perguntou: e essa tal cadelinha-morcega é boa gente? carinhosa? A estrelinha, então, sem responder pegou uma bola de cristal e entregou ao Bilac: veja você mesmo! E o que o Bilac viu?

Viu uma cadelinha-morcego, extremamente alegre, brincalhona, carinhosa, meiga, lambendo sua dona logo às oito horas da manhã, virando a barrigudinha pra cima para receber carinho, fazendo xixi no jornal (coisa que ele jamais fez).

Ainda um pouco ciumento, resmungou: qual o nome dessa cadela-morcega? A estrelinha sorridente respondeu: Vitória ... e tem mais, nasceu no mesmo dia do aniversário da sua dona. Bilac então sorriu, feliz...

Depois foi se aninhar num cantinho da estrelinha para uma soneca, antes, porém, como de costume, marcou território!

Sandra Falcone
ao meu inesquecível Bilac