domingo, setembro 13, 2009

U-la-lá, Paris!


Recém-casada, com um marido bonitão e quatrocentão, com convidados sempre à porta, resolveu aprimorar suas prendas domésticas inexistentes. A primeira providência — um curso de etiqueta: como arrumar a mesa da forma politicamente correta. Como servir à francesa, à diplomata, e no modo americano... ou seja, um quilão doméstico disfarçado, aliás, o seu preferido. O primeiro passo : torrou o cartão de crédito numa baixela de prata – estava na lista de casamento, mas ninguém deu – e num aparelho de fondue que comprou no sufoco para se livrar da vendedora no usual blablablá, de quem vende até linguiça em restaurante vegetariano.

Enfim, preparada para receber os amigos do marido. E assim foi, jantares e jantares americanos. A empregada, cozinheira acabou cansando de tanta exploração na cozinha e pediu as contas. Entrou em parafuso, a sua praia não era a cozinha.

Depois de passar por três cozinheiras incompetentes e pelo vexame de servir frio um jantar encomendado numa trattoria da moda, jurou: nunca mais vou depender de ninguém. Procurou um curso de culinária. Era julho, todo mundo de férias, inclusive os cursos. Encontrou um apenas: de fondue. Resolveu fazer. Afinal, aquele aparelho comprado no sufoco continuava na caixa. Além do mais, fondue era chique e romântico. Não contou nada para o marido, queria fazer uma surpresa.

A quituteira mais parecia uma figura de camafeu. Organizada, entregou as apostilas, com as receitas todas. Na mesa já estavam todos os fundues prontos, de queijo, gorgonzola, catupiri, de carne, camarão, de chocolate com morangos, mangas, laranjas. Panelas de barro, de ferro, de cobre brilhando! Uma maravilha só de ver. Nem prestou atenção à aula, ficou mesmo de olho nos fundues. Logo após a exposição, as cursandas foram convidadas para a degustação. Aí se jogou de cabeça! Chegou a ter um garfo em cada panela, sem contar dois ou três nas mãos, pingando.

No final da aula, estufada de tanto comer, correu para casa. Quando chegou, o marido estava na porta, esperando-a: onde você foi? estou numa preocupação só... não podia avisar? Ela, naturalmente, querendo manter a surpresa de pé, mentiu: desculpe querido, não deu, a reunião foi inesperada. O marido, indignado, não se conteve: é, reunião? você já jantou? Ela, sustentando a surpresa: um lanchinho sem graça que me tirou a fome e um café apenas. O marido, perdendo a classe quatrocentona, despachou um palavrão de trânsito e berrou: lanchinho, café? e esse chocolate? de onde veio? E saiu batendo a porta.

Aflita, foi se olhar no espelho e o que viu? Sua cara completamente achocolatada, até as orelhas. Daí entendeu o olhar esquisito das colegas quando saiu do curso. Enfim, não foi fácil consertar a burrada. Nem o recibo adiantou, precisou carregar o marido até a dama quituteira.

A propósito, pegou tamanha aversão por fundues que, no primeiro casamento que foi convidada, empurrou de presente o aparelho, que continuava intacto na caixa.

Como resultado dessa aventura, o marido ficou encantado com a dama quituteira e se matriculou num curso vip individual, de cozinha francesa e ficou viciado. Nas férias, nem se dava ao trabalho de consultá-la, Paris. Ah! as pontes de Paris, as tulipas, os monumentos, os museus, as lojas deslumbrantes, os balés, o croque-monsieur, o requinte, o sotaque, os cafés, os vinhos, o Luxembourg. Paris, Paris emocionante, histórica, vibrante, elegante! Paris para namorar! Sempre sozinha, enquanto o marido se enfiava em cursos e mais cursos, de culinária, é claro.

Sintetizando. Hoje ele é um astro de um canal a cabo, tem programa culinário que rende ibope e um restaurante badalado. Divorciaram-se depois de dez anos de casamento sem fome.

Como diz Drumonnd, de tudo sobra um pouco. É apaixonada por Paris. Quando pode, lá está. Quando desembarca, não resiste ao chamado: U-la-lá, Paris!


Sandra Falcone