segunda-feira, agosto 13, 2007

exercício da cidadania


A Globo foi a única emissora a divulgar (pelo menos até onde pude perceber) que apenas 8% dos entrevistados na pesquisa que mantém os 48% do Lula pertencem à classe média (alias, classe média coisa nenhuma). Os 92% restantes nunca chegaram junto de um aeroporto, infelizmente! Na minha modesta opinião, esse tipo de pesquisa nem sempre retrata a realidade e pode, muitas vezes, distorcê-la, pois os quesitos são pontuais. Por exemplo: se alguém me perguntar se eu uso sapatos de salto alto vou dizer que não, induzindo que não gosto, quando na verdade eu gosto, e muito, mas não uso porque meus joelhos atrofiados não deixam.

Entendo também que as manifestações não são para mandar o este ou aquele para o espaço – são manifestações que demonstram desagrado e repúdio diante de uma situação. Não importa se apenas dez, vinte ou dois mil se manifestem. O fundamental é que se manifestem.. É um exercício de cidadania, um processo que vai se estruturando aos poucos em nosso país, estamos aprendendo.

Manifestações sempre criam visibilidade e essa visibilidade muitas vezes, por mais cruel que possa ser, conduz á conscientização. Uma coisa é ler que alguém se feriu, outra coisa é ver o ferido. O impacto da visão é muito mais profundo. Tomo como exemplo as cruzes e os sacos pretos que cobriram a orla de Copacabana, denunciando só no primeiro semestre deste ano três mil assassinatos, o quadro foi dantesco!

Embora defenda a visibilidade , penso que o exercício da cidadania se realiza de muitas maneiras, inclusive através da reflexão íntima.Sempre que revejo aquele ditado: diga-me com quem andas e eu te direi quem és, penso em mim mesma. Eu sou a minha primeira companhia, não sou?Com meus pensamentos, e minha ética, ainda que não exteriorizada, está lá...

Vou contar um fato que aparentemente nada tem, mas que tem: minha cadelinha (Vitória) morria de medo de botar as patinhas fora da soleira da porta. Eu chamava, mostrava biscoitos...e nada...Mas não desisti e todos os dias fazia a mesma coisa.Na semana passada, sem eu chamar, distraída na porta do elevador, quem vejo? Vitória... A cidadania é mais ou menos assim, precisa de chamamento, de biscoito, de insistência... um dia toma coragem e entra no elevador e sai na rua. Não podemos ter medo de botar o pé além da soleira da porta.
Infelizmente estamos nivelando tudo por baixo, sufocados por esse oceano de impunidade.

Hoje, por exemplo, vi na tevê uma senhora muito pobre, na penúria mesmo, levar o filho e os objetos furtados na delegacia. Fiquei espantada e emocionada, assim como os policiais que a atenderam, tanto que doaram uma cesta básica. Depois, no transito maluco de todos os dias, fiquei pensando: isso não deveria ser natural? No entanto, não é!

E porque não é? Porque estamos envolvidos pelo manto do mais absoluto descaso. E não?Os soldados que foram designados para a cobertura do Pan e do Para-Pan, tratados como animais, o que é? Alimentação pouca, em barracas, na mais profunda promiscuidade, num alojamento alagado e sujo, enquanto defendem as nossas vidas e dão a sensação para o mundo que a violência é ficção científica? Esse quadro eu vi exclusivamente porque um soldado exercitou sua cidadania, filmando o alojamento ainda que no anonimato de câmeras escuras e voz disfarçada, as imagens não negaram nada.

Nunca vou esquecer algum tempo atrás um quadro magnífico de dignidade humana. Um operário dirigindo um trator se recusou a derrubar um casebre.Aquela figura ficou pra sempre em minha mente: chorando e prostrado diante de algo que não tinha coragem de fazer, mas forte, valente... embora profundamente frágil. Provavelmente perdeu o emprego. No entanto, a partir daquele dia, eu peguei o meu "trator", talvez muito menos digno do que o dele, mas peguei... e me dependurei nas palavras e virei uma cronista-mala .
Sempre que quero desistir, porque desistir é mais fácil, lembro daquele anônimo e seu trator... Não sei se o Renan toma vergonha na cara e desgruda da cadeira e sai, mas eu, garanto: fico e não largo das palavras...NEM MORTA! Sempre sobra um médium para psicografar .

AH! Estava esquecendo: porque o Aerolula (também um Airbus) não pode voar com os reversos travados e nós podemos?!

Dos males , o menor . Ainda bem que o nosso Ministro da Defesa , com seus 1,90cms vai ajudar os meus joelhos (sustentando os meus 1,67 cms de altura) não ficarem mais atrofiados do que são, cada vez que viajo de avião.

Texto e trabalho gráfico: Sandra Falcone