terça-feira, maio 22, 2007

O metrô




O dia tinha sido exaustivo! Tanto trabalho, tanto... pessoas perguntando, providências a tomar... exaustivo, sim! O seu apartamento sempre ajudava. Por pior que estivesse, sempre era o seu mundo, reduzido, num décimo andar. Ali gostava de ficar, pés descalços no carpete, cara lavada, blue jeans... O telefone, uma voz amiga, confidências, risos. Era ali. Depois, o silêncio caudaloso infiltrando-se pelas paredes, apoderando-se dos seus sentidos como um amante faminto, exigente. Um ser solitário, intrinsecamente solitário. Assim nascera e iria morrer assim, só, com seus pensamentos, com seus silêncios, ela com ela mesmo. Olhou-se no espelho, bem de perto. Como a se reconhecer – “sou eu mesma?” Quase acreditando em espíritos que tomam o corpo, a mente, a psique!

À mercê de um fascínio... Seria? Sem perceber, copiou-se com os próprios dedos na transparência seca do espelho, buscando a si própria como companhia, dedilhando-se. Como pudera fazer aquilo com um desconhecido? Falou bem alto... talvez escutando-se pudesse transformar-se de novo em si mesma. Quem era aquela? essa aí que o espelho refletia? Quem? Ou será que essa era ela... e a outra, aquela de todo dia, era a invasora? Exausta, deitou-se, quase adormecendo. Lutou um pouco, fez todos os exercícios mentais que conhecia, mas não adiantou... Ainda tinha o cheiro dele, ainda sentia as mãos dele no seu corpo, ainda sentia-se possuída, ele estava ali ainda, dentro dela, pulsando. Entregou-se ao cheiro da mesma maneira que havia se entregado a ele, ampla, aberta e despudoradamente. Estava escrito nas estrelas, gostava de falar assim, quando algo acontecia sem que pudesse entender a razão. Era confortável colocar a culpa nas estrelas, no destino. Há quanto tempo não tomava o metrô? Quanto? Uns dez anos, talvez. E por que logo hoje? Talvez tudo tenha começado com o medo daquela multidão insana, empurrando pra dentro dos vagões ou, quem sabe, do túnel onde corriam os vagões. Sempre detestara multidões e túneis... ficava asfixiada. Primeiro foi o cheiro, áspero, masculino. Depois, os olhos, negros, quietos, intensos, despindo-a peça a peça, desnudando seu corpo centímetro a centímetro. Retribuiu o olhar, sem reservas, escancarada... Sentiu o hálito na nuca, um respirar manso, sincopado, quando o corpo dele roçou o seu apressando-se a ocupar o espaço que ficou às suas costas. Pressentiu o membro ereto e os joelhos quase dobraram. Quase desfalecendo, fechou os olhos e a imaginação saiu correndo... as mãos grandes, grosseiras, roçando quentes e febris... aos poucos, foi cedendo. Até que se sentiu penetrada... primeiro, levemente, depois com uma força contínua, permanente, vibrante... Fizeram amor de uma forma perturbadora, silenciosos, apenas no contato dos corpos, chegando juntos num leve frêmito ao prazer intenso, uma, duas, três vezes, como se derramassem ali, num único momento, todo o gozo atávico, milenar, selvagem e simples do macho e da fêmea. A multidão já não existia mais... nem os túneis, nem o barulho dos trilhos. A estridência dos freios chamou-a à realidade. As mãos roçaram-lhe os seios na saída apressada. E o cheiro foi se distanciando... ficou apenas aquela languidez úmida e doce. Olhou-se mais uma vez no espelho e viu seus próprios olhos. Estranho não querer que essa, a do espelho, fosse embora.

Sandra Falcone